GASTRONOMIA, SABER, SABOR E INOVAÇÃO: ESTUDO DE CASO DO PRATO REVIRADO


GASTRONOMY, KNOWLEDGE, FLAVOR AND INNOVATION: CASE STUDY OF THE REVIRADO DISH


Liziane Cassia CARLESSO1 Maria Regina MARTINAZZO2 Simone Maria CERVINI3 Claudio Alcides JACOSKI4 Rodrigo BARRICHELLO5


Recebido em novembro de 2020 / Aceito em janeiro 2021


Resumo


O presente estudo objetivou verificar a valorização da gastronomia tradicional e local enquanto patrimônio imaterial pela influência das etnias italiana, alemã, cabocla e polonesa na região oeste catarinense. Para tal, foi utilizado o estudo de caso qualitativo, adotando-se um enfoque descritivo e interpretativo acerca do projeto de extensão Patrimônio Gastronômico desenvolvido em uma universidade comunitária. Os dados foram obtidos por meio da aplicação de um questionário com questões abertas e fechadas, pela plataforma google forms. Inicialmente, foram feitas análises de conteúdo que oportunizaram verificar a contribuição do projeto Panorama Gastronômico como elemento cultural e de resgate da culinária herdada das etnias formadoras do oeste catarinense. Como resultado, este estudo identificou a criação do prato revirado como uma tradução das raízes históricas e culturais, bem como seu caráter inovador na sua apresentação, ao contemplar elementos das etnias que influenciaram na cultura e identidade gastronômica da região.

Palavras-chave: História, hábitos alimentares, comida, cultura.


Abstract


The present study aimed to verify the valorization of traditional and local gastronomy as an intangible heritage due to the influence of the Italian, German, Cabocla and Polish ethnic groups in the western region of Santa Catarina. To this end,


image

1Professora do curso de Engenharia de Alimentos/Universidade Comunitária da Região de Chapecó - Unochapeco, Chapecó - SC, Brasil. E-mail: liziane-cc@unochapeco.edu.br

2Professora do curso de Gastronomia/Universidade Comunitária da Região de Chapecó-Unochapeco, Chapecó - SC, Brasil. E-mail: mreginamartinazzo@unochapeco.Edu.br.

3Professora do curso de Gastronomia/Universidade Comunitária da Região de Chapecó-Unochapeco, Chapecó - SC, Brasil. E-mail: gastronomia@unochapeco.Edu.br

4Professor de Engenharia de Produção/Universidade Comunitária da Região de Chapecó- Unochapeco, Chapecó - SC, Brasil. E-mail: claudio@unochapeco.edu.br

5Professor de Engenharia de Produção/Universidade Comunitária da Região de Chapecó- Unochapeco, Chapecó - SC, Brasil. E-mail: rodrigo.b@unochapeco.edu.br


a qualitative case study was used, adopting a descriptive and interpretive approach to the Gastronomic Heritage extension project developed at a community university. The data were obtained through the application of a questionnaire with open and closed questions, through the google forms platform. Initially, content analyzes were carried out that made it possible to verify the contribution of the Panorama Gastronômico project as a cultural element and to rescue the cuisine inherited from the ethnic groups that formed western Santa Catarina. As a result, this study identified the creation of the Revirado dish as a translation of the historical and cultural roots, as well as its innovative character in its presentation, by contemplating elements of the ethnic groups that influenced the culture and gastronomic identity of the region.

Keywords: History, eating habits, food, culture.


INTRODUÇÃO


A alimentação pode ser percebida como uma prática social diária que permite a sobrevivência humana. Sob o olhar da antropologia, comer é um ato social e têm uma inter-relação com cultura e história, indo para além de atender somente necessidades biológicas e de subsistência. Transmitir hábitos alimentares torna-se importante à medida em que contribuem na formação da identidade alimentar e cultural de um povo (ANGEL; MENDOZA; ANGEL, 2019).

O ato de comer revela não só a história do alimento e de quem come, mas traduz o modo de viver de uma população. A cultura e a história da humanidade estão entrelaçadas com a alimentação de forma diversa e arraigada em inúmeros saberes dos povos (DÓRIA, 2014). Desta forma, no estudo alimentar, o homem social e o homem biológico não podem ser dissociados da comida ou da arte culinária (MONACO; BONETTO, 2018).

A alimentação como um fenômeno social, vai além da dimensão biológica do comer para viver, pois está impregnada de significados. Sendo assim, quando provamos um alimento passamos por uma experiência única e subjetiva. A comida é como uma forma de arte e expressão artística a ser saboreada. Ela define o prazer experiencial dos alimentos como valor duradouro, cognitivo, emocional e cultural das experiências alimentares. Sendo assim, o ato de comer envolve consumo e lembrança. É justo dizer que a comida, como a arte, é imbuída de significado por seu criador através de sua lente sociocultural e que posteriormente é interpretada pelos comensais (BATAT et al 2019).


Dominar o fogo há 300 mil anos provocou o surgimento da cozinha e marcou profundamente o comportamento alimentar da humanidade. Os alimentos que eram consumidos crus, passaram a ser cozidos. Este processo de modificação dos alimentos levou o homem a evoluir da condição biológica para a condição social. A mudança alimentar provocada pela cocção fez surgir a prática da comensalidade, reconhecendo assim, a função social das refeições e seu caráter de fortalecimento de laços entre iguais (MOREIRA, 2010).

A comida revela uma grandeza econômica e nutricional ao longo do tempo, na medida em que demonstra a sua importância fundamental na construção das relações sociais e culturais dos indivíduos. Alimentar-se é uma necessidade diária e base para a sobrevivência, por isso, é também objeto de luta e poder nos mais diferentes contextos da nossa história (COUNIHAN, 2001). A comida detém o poder simbólico de repassar crenças, valores e costumes, pois o ato de cozinhar é capaz de expressar nossa identidade (SIMANOVIC; GOSEV, 2019). De acordo com Diaz (2015), o ato de compartilhar comida e bebida define e reforça nossos laços sociais e afetivos.

Em seu estudo, Fox (2007), destaca a percepção da comida como um elemento cultural de um país ou de uma região. A comida tem importante papel na formação da identidade gastronômica, pois a cultura de uma comunidade é marcada por escolhas alimentares aferidas no seu dia a dia. Em tempos de multinacionalização, a comida segue como balizador nas diferenças culturais existentes entre os povos.

Os alimentos produzidos a partir de elementos herdados e a utilização de técnicas aprendidas e compartilhadas por indivíduos de um mesmo local, formam a sua cultura alimentar. Já o patrimônio alimentar é formado por elementos materiais e imateriais da cultura alimentar. Portanto, o saber culinário, os alimentos utilizados, bem como sua forma de produção são elementos reveladores de identificação do patrimônio cultural e alimentar de um povo. Nesse contexto, destaca-se a relevância de reconhecer que os saberes, práticas e comidas herdadas, são expressões de tradição e cultura de uma comunidade (SANTILLI, 2015).

Faz-se necessário destacar, que a cozinha é um espaço universal, onde ingredientes, técnicas, crenças, saberes e sabores são compartilhados. Por sua vez, o termo cozinha pode ser interpretado como um local onde processos alimentares acontecem, tais como, conservação, armazenamento, preparação e descarte


(BENEMANN; MENASCHE, 2017). Por outro lado, as cozinhas são influenciadas por elementos culturais, geográficos, históricos e aspectos comportamentais dos indivíduos (OKTAY; SADIKOĞLU, 2018).

A prática de cozinhar e a gastronomia são elementos que são validados a partir dos hábitos e culturas da população de um determinado local ou região. A cozinha é um espaço que dá visibilidade social e prazer, ou seja, vai além de satisfazer as necessidades fisiológicas dos indivíduos. Ao longo do tempo, as cozinhas foram ganhando diversidade e adquirindo peculiaridades em função de técnicas e princípios que vão sendo adaptados em função do local e do tempo em que se encontra (AGUIAR; MELO, 2018).

Estudar a história e cultura de um povo perpassa obrigatoriamente por conhecer sua alimentação. Ao resgatar alimentos e pratos consumidos em determinada região, traz à tona elementos que são capazes de identificar hábitos e culturas que caracterizam a gastronomia daquele local. Compreender as particularidades e as práticas alimentares de um povo são fundamentais para preservar heranças e saberes gastronômicos. A região oeste de Santa Catarina é marcada pela descendência italiana, alemã, polonesa e cabocla. Suas influências são reconhecidas nas práticas gastronômicas vivenciadas pela população local (TONEZER et al, 2018).

A história alimentar da humanidade, têm como referência fatores afetivos interrelacionados com a família e a sociedade. Para entender nossa ancestralidade alimentar, é preciso revisitar e compreender o passado e nossa evolução social. Hábitos regionais e diferentes expressões de cultura alimentar, são reforçados através da comida e de preparos típicos que formam um elo entre alimentação e cultura. Resgatar práticas de preparos e de cozinha são um meio para preservar a cultura e a identidade regional (MARTIN; LINDEMANN; RAPHAELLI, 2018).

Nesse contexto, o objetivo do estudo é demonstrar o valor da gastronomia tradicional como elemento de cultura e o importante papel exercido pelas etnias italiana, alemã, cabocla e polonesa na comida local, bem como, verificar o caráter inovador do prato denominado “Revirado”, criado a partir do legado dos colonizadores da região oeste catarinense.


O ato de comer não é somente uma necessidade fisiológica, pois traz em si um olhar sobre nossa história e costumes, assim sendo, o projeto de extensão Patrimônio Gastronômico da Universidade Comunitária Regional de Chapecó – Unochapecó, apresenta-se como um ator relevante na contribuição da universidade na construção da identidade gastronômica da região oeste catarinense. Demonstrando assim, que a inovação pode estar presente no passado, ao fazer o resgate histórico da alimentação trazida pelas etnias reconhecidas como sendo os pilares da formação cultural da região oeste de Santa Catarina.

Para maior clareza na resolução do objetivo proposto, será abordado nesta seção, o referencial teórico que trata sobre a gastronomia como patrimônio cultural, bem como as memórias alimentares e história da colonização do oeste catarinense.


Gastronomia como patrimônio cultural


De acordo com Brillat-Savarin (2019), de uma maneira geral a gastronomia pode ser entendida como o estudo fundamentado em tudo o que diz respeito ao ser humano à medida em que ele se alimenta. Em sua obra publicada pela primeira vez em 1825, considerada um marco histórico para a gastronomia, o autor destaca também que a gastronomia está fortemente relacionada aos valores culturais e a um conjunto de símbolos sociais que traduzem nossa identidade. Segundo Flandrin e Montanari (1996), a gastronomia é fundamental para perpetuar a memória culinária familiar e um importante ator na valorização da cultura local de um povo.

Ao compreender a gastronomia como patrimônio cultural nos deparamos com a forte ligação do alimento com a história. Sendo a alimentação uma precursora da origem de diversas culturas e costumes, a gastronomia consegue trazer a nossa mesa um banquete farto de memórias e benevolências (GARINE, 2002). Observa-se nas mais diferentes culturas, a distinção de usos e costumes na forma de preparo, no armazenamento e nos diversos utensílios usados para cozinhar a própria comida. As práticas de escolher o que comer, quando comer e como comer, é o que distingue o homem dos demais animais e comprova sua civilidade (HEGARTY; O’MAHONY, 2001).


Segundo Montanari (2013), o alimento remete o homem à natureza ao mesmo tempo em que traduz sua cultura e identidade. A comida representa cultura quando é “produzida, preparada e consumida”. Ao abandonar o processo de homem predador para o homem produtor, a humanidade modificou sua relação com a comida. Portanto, ao deixar de utilizar somente os recursos que eram oferecidos pela natureza para domesticar plantas e animais, deu-se o início de um caminho inovador que exigiu conhecimento e um saber fazer, compreendidos como cultura.

O ato alimentar pode ser compreendido como uma manifestação cultural a medida em que sugere códigos sociais, permeado de significados e simbolismos. A alimentação humana é distinta nos diferentes povos, porque está relacionada com suas manifestações sociais e culturais. Para as ciências sociais e humanas, a alimentação é entendida como a de maior significado pois a comida diz quem somos e faz relação com a nossa identidade social. O gesto de partilhar a comida traduz sociabilidade e fortalece as relações sociais entre as pessoas e as leva rumo ao subjetivo (CASTRO; MACIEL; MACIEL, 2016).

O ato de cozinhar é inerente à sua efetivação e sua prática representa desde sempre prazer, satisfação e a representação da sabedoria de um povo. Desta forma, muitos estudos consideram que a cozinha é uma arte, que pode revelar segredos e contar a história de uma população. A cozinha é ainda, um espaço capaz de traduzir antigas tradições bem como, contemporâneas inovações. Frente a isso, a cozinha tem a capacidade de combinar tradição e inovação com saber, arte, bom senso e uma porção de bom gosto (RODRIGUES, 2008).

É sabido também, que as cozinhas estão em permanente transformação. A cultura alimentar, seja qual for seu tempo e espaço, está posta em situações de confronto que podem levar a certas rupturas, quer seja pela implementação de novas técnicas, pelas novas formas de consumo, da introdução de novos produtos ou, do encontro e fusão dos mesmos, a partir da inovação e da criatividade (DIAZ, 2015).

É de grande importância que consideremos o patrimônio gastronômico e sua relevância na preservação da cultura local, e das várias formas de agregar valor aos produtos da comunidade. A gastronomia está para além da cozinha, é o aperfeiçoamento da alimentação. A cozinha seria um símbolo daquilo que há de mais


civilizado entre os homens e mulheres, levantando uma discussão em torno dos limites entre natureza e cultura (COLLAÇO, 2013).

A gastronomia local, regional, nacional e internacional, é produto da miscigenação cultural, fazendo com que essas cozinhas revelem vestígios de trocas culturais. O alimento constitui uma categoria histórica, pois os padrões de permanência e mudanças dos hábitos e práticas alimentares têm referências na própria dinâmica social. O ato de comer, não acontece apenas pela função biológica e química de nutrir e saciar, nos alimentamos de história, hábitos e cultura, numa demonstração de que o ato de comer está além da necessidade da sobrevivência humana (SANTOS, 2011).

As preferências alimentares de um povo são referenciadas nas suas escolhas e vivências para que atendam suas necessidades de subsistência, bem como as de cunho social e cultural. Nesse sentido, pode-se considerar que nossa cultura alimentar é enraizada nos costumes alimentares de nossos antepassados, oriunda dos imigrantes que colonizaram e popularizaram nosso país. Tal mistura étnica promoveu uma miscigenação dos sabores e com a chegada das expedições no Brasil, os novos habitantes incluíram ingredientes culinários que transformaram nossos hábitos alimentares no que conhecemos hoje em dia (LEONARDO, 2009).

A construção da culinária habitual brasileira é fundamentada pela mescla adaptativa da culinária portuguesa, indígena e africana. E mesmo com o advento da globalização e nova cultura alimentar, a preferência ao sabor original prevalece, pois, as preferências pelo sabor original e tradicional dificilmente podem ser modificadas. A degustação de alimentos carregados de tradição ao longo de diversas gerações cultivou hábitos, selecionou sabores e texturas no paladar brasileiro (FERRACCIOLI; SILVEIRA, 2010).

A culinária integra o conjunto das artes populares e das técnicas tradicionais, representadas pelas comidas típicas com suas receitas guardadoras daquelas medidas de colher cheia ou rasa, de ‘pitadinhas’ e ‘punhadinhos’, de ‘tiquinho’ e pingos ou de ‘uma mão cheia’, que davam com justeza um sabor inigualável muitas vezes não atingido pelas exatas determinações dos gramas da balança moderna (MELO, 2011).


Resgatar o passado através da comida é uma forma de perpetuar a importância do papel da herança alimentar e o nacionalismo. A culinária pode eternizar elementos de herança e identidade, seja um prato nacional ou uma comemoração, traçando histórias de famílias e conexões por meio da comida. Dessa forma, fica evidenciado que pela gastronomia pode-se manter associações claramente pessoais e familiares, relembrar emoções e fazer conexões nostálgicas. Sendo assim, devemos considerar a dimensão na qual a comida está sujeita, quer seja por modismos ou tendências, da necessidade do renascimento de certos alimentos, ou através da produção artesanal que é evidente na gastronomia contemporânea que busca imortalizar memórias através das artes culinárias (TIMOTHY,2015).


Memórias alimentares e história do oeste catarinense


A colonização do oeste catarinense pelos imigrantes italianos, alemães e poloneses ocorrida no início do séc. XX, marca profundamente a história desta região. Sua chegada transformou a paisagem local, as matas deram espaço ao plantio de lavoura pelas famílias dos colonos (DORIGON; RENK, 2011). Neste contexto, a colonização do oeste catarinense teve como objetivo povoar e promover o desenvolvimento econômico. Por outro lado, foi um processo marcado por conflitos com indígenas e caboclos que habitavam o território nesta época (VALENTINI; RADIN, 2011).

Até a chegada dos colonizadores, a região oeste de Santa Catarina, reconhecida até então como o “sertão catarinense”, era habitada por índios e caboclos. Sua base econômica, era especialmente de subsistência, caracterizada por pequenas lavouras e pelo extrativismo da erva-mate. A medida em que a colonização avançava, as transformações econômicas, sociais e ambientais se evidenciaram, bem como o modo indígena e caboclo de viver. Os imigrantes modificaram práticas de produção a fim de comercializar o excedente e as terras foram demarcadas e cercadas. Este processo gradativo foi responsável pela retirada dos índios e caboclos que tinham a posse não formal das terras e sim a posse coletiva (RADIN; CORAZZA, 2018).


No período anterior à chegada dos imigrantes, os caboclos criavam gado e suíno, na entressafra da erva-mate. Os animais eram criados para sua própria alimentação e vez ou outra, vendiam aos tropeiros que passavam pela região. Existia um método ancestral de criação suína, “o porco alçado”. Estes animais viviam em grandes áreas e eram alimentados somente com frutos, vegetais, pinhão e imbuía (RENK, 2014).

As terras do sertão catarinense, foram colonizadas baseadas em um modelo minifundiário, caracterizado pela produção de feijão, milho e arroz, bem como pela criação de aves e suínos consumidos pelas famílias. Depois de um certo tempo, este modelo de produção tornou-se fundamental para o desenvolvimento econômico da região, percebido até os dias atuais, através da agroindustrialização local (ALVES; MATTEI, 2016).

Cabe destacar o papel exercido pelas Companhias colonizadoras, responsáveis pela vinda dos imigrantes para a região, pois criaram condições para que os recém-chegados pudessem se estabelecer e desenvolver o local (GOULART FILHO, 2002). Por outro lado, Renk (2014), destaca que as Companhias retiravam os nativos estabelecidos ora pela força, ora com práticas de atemorização, a fim de atender o seu interesse comercial.

No estudo de Radin e Silva (2018), fica evidenciado a importância das empresas colonizadoras no processo de desenvolvimento da região oeste catarinense. Através delas ocorria a venda das terras destinadas à produção agrícola, no intuito de transformar a região em “um vasto celeiro”, pois no período pré- colonização, o território da região era reconhecido como “vazio, não produtor” ou ainda, como “deserto verde”. Os autores enfatizam ainda que o extrativismo da madeira ocasionado pela derrubada das florestas, modificou profundamente o meio ambiente da região, embora a comercialização da madeira tenha sido um importante agente econômico na época da colonização.

A chegada dos imigrantes italianos e alemães ao oeste catarinense, ocorreu em torno do ano de 1910. Em sua maioria, eram formados por casais jovens advindos do Rio Grande do Sul e enfrentaram diversas dificuldades ao chegarem aqui. Nos primeiros anos a economia era praticamente de subsistência em função do isolamento vivido pelas famílias colonizadoras. O comércio praticado pelos camponeses resumia-


se na venda do mel, da banha, do toucinho de porco e do feijão. Com o resultado desta venda, adquiriam produtos como o açúcar, sal, querosene e vestuário, dentre outros (POLI, 2014).

Os imigrantes poloneses chegaram em território catarinense no começo do séc.

XX. Inicialmente, povoaram a região conhecida como vale do Itajaí, para depois juntarem-se nas proximidades das colônias de italianos e alemães no oeste de Santa Catarina (ROCHA, 2015). De acordo com Jadwiszak (2012), muitos imigrantes poloneses vieram também, do estado do Rio Grande do Sul devido à escassez de alimentos que lá ocorria. O oeste catarinense foi um dos últimos territórios a ser povoado pela etnia polonesa e sua atividade econômica principal, era a extração de madeira e produção de erva-mate. Sua alimentação consistia em feijão, batata, trigo e milho, produzidos em suas próprias lavouras.

O processo de colonização do oeste catarinense, ocorreu em três momentos distintos de sua história: (i) o primeiro foi com os índios que aqui já existiam e suas heranças são percebidas até hoje; (ii) o segundo momento foi com a chegada dos caboclos, reconhecidos também como indivíduos mestiços que viviam neste território antes da vinda dos eurodescendentes; (iii) finalizando com a chegada dos imigrantes italianos, seguido dos alemães e poloneses. A etnia italiana é destacada por representar a maioria diante dos demais imigrantes europeus (WERLANG, 2002).

A história da região oeste de Santa Catarina, é marcada pela miscigenação de etnias que forjaram a cultura e os hábitos alimentares de seu povo. A presença das etnias italiana, alemã, polonesa e cabocla, marcaram fortemente a gastronomia local, influenciando de forma direta na cozinha que é praticada até os dias atuais. Os imigrantes deixaram como herança sua religiosidade, hábitos e costumes, entendidos como sendo os pilares na formação socioeconômica e cultural da região oeste catarinense (TONEZER et al, 2018).


MATERIAIS E MÉTODOS


Esta pesquisa se baseia em estudo de caso único, qualitativo com enfoque descritivo e interpretativo. O caso foi escolhido por representar um caso profícuo pela contribuição cultural e de identidade gastronômica que as etnias italiana, alemã,


cabocla e polonesa deixaram como legado à região oeste catarinense. O presente estudo procurou explorar o valor da gastronomia tradicional como elemento de cultura e o importante papel exercido pelos imigrantes na comida local, bem como, verificar o caráter inovador do prato denominado “Revirado”, criado a partir do legado dos colonizadores da região oeste catarinense.

A população da pesquisa compreendeu quatro docentes e oito discentes envolvidos no Projeto Panorama Gastronômico, da sua fase inicial até o momento. A amostra da pesquisa foi delineada em torno dos respondentes, totalizando um retorno de seis questionários, os quais foram considerados para este estudo. Dos respondentes docentes dois estão atualmente envolvidos no Projeto e dos discentes, três respondentes são egressos e outro é parte integrante da equipe.

O objeto deste estudo é o projeto Panorama Gastronômico da Região Oeste de Santa Catarina, o qual está vinculado à Extensão Universitária da UNOCHAPECÓ, no eixo temático Cultura. Este Projeto iniciou suas atividades em 2015 e é formado por uma equipe de docentes e discentes do curso de Gastronomia e do curso de Nutrição da UNOCHAPECÓ e desde então, vem desenvolvendo ações de resgate, pesquisa e divulgação acerca dos pratos e ingredientes típicos de cada uma das etnias que contribuíram na formação histórico-cultural desta região.

Dentre as diversas ações do projeto Patrimônio Gastronômico, cabe destacar o desenvolvimento do “Revirado”, um prato típico, com ingredientes tradicionais, que conta a história regional e que seus elementos representam as 04 etnias que influenciaram a região oeste de Santa Catarina. O Revirado foi apresentado à comunidade em novembro de 2015, em evento que contou com a participação de pessoas dos mais diversos setores da sociedade, a fim de demonstrar a combinação de gastronomia, cultura e história.

A Universidade Comunitária da Região de Chapecó – UNOCHAPECÓ, têm papel de destaque na comunidade e na região oeste catarinense, haja vista seu envolvimento em ações voltadas para o conhecimento e sociais junto à população. Seu compromisso fica evidenciado pois entende a Extensão como princípio educativo ao articular o conhecimento às necessidades da comunidade. Suas ações articuladas ao ensino e pesquisa são fundamentais a medida em que contribuem para uma melhor


qualidade de vida e em oportunidades de crescimento social aos indivíduos da comunidade e região.

O instrumento de pesquisa utilizado, foi estruturado com questões abertas e semiabertas, ficando disponível na plataforma google forms, pelo período de 30/08/2019 até 14/09/2019, podendo ser respondido apenas uma única vez pelos participantes. O questionário antes de ser enviado aos respondentes, foi validado por um docente conhecedor, mas não participante do Projeto. Os dados obtidos com a aplicação dos questionários serão analisados de forma qualitativa. Desta forma, as questões que compõem o instrumento da pesquisa, são apresentadas no Quadro 1.


Quadro 1 – Questionário utilizado sobre o Projeto Panorama Gastronômico


Q

Questões

1

Participa ou participou do Projeto Panorama Gastronômico como: ( ) Docente

( ) Discente

2

Por quanto tempo fez parte da equipe do Projeto Panorama Gastronômico? ( ) 01 ano

( ) 01 ano a 02 anos ( ) 02 anos a 03 anos

( ) 03 anos ou mais

3

Como foi sua experiência em participar do Projeto Panorama Gastronômico?

4

Você poderia relatar quais ações foram realizadas durante sua participação no Projeto

Panorama Gastronômico?

5

Em relação ao Prato Revirado, você acredita que ele representa a identidade, história e

cultura da nossa região? Por quê?

6

Na sua opinião, o Prato Revirado pode ser considerado inovador para a Gastronomia? Por

quê?

7

Atualmente, você participa do Projeto Panorama Gastronômico?

Fonte: elaborado pelos autores.


As respostas obtidas, foram segregadas, em que o tratamento dos dados foi elaborado, considerando o anonimato dos respondentes, os mesmos serão identificados na discussão dos resultados, por meio de letras que evidenciam as opiniões.


Com a coleta dos dados, buscou-se verificar ações de contribuição do projeto Panorama Gastronômico como elemento cultural e de resgate da culinária herdada das etnias formadoras do oeste catarinense. Ademais, relacionar elementos da cozinha tradicional da região oeste catarinense à inovação, representados e identificados no Prato Revirado.


ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS


Apresenta-se nesta seção, os resultados obtidos através das respostas dos questionários aplicados junto aos docentes e discentes do projeto de extensão universitária Panorama Gastronômico da Região Oeste de Santa Catarina. Os resultados, buscam evidenciar as ações do Projeto e como seu estudo resgata a relação entre gastronomia tradicional e cultura, a influência das etnias que povoaram a região e de que forma o prato “Revirado” pode ser entendido como representação cultural e inovadora para a gastronomia.


Os integrantes e suas experiências no Projeto Panorama Gastronômico


Quando perguntados sobre a sua experiência em participar do Projeto Panorama Gastronômico, todos os professores e alguns dos alunos, destacam a importância de conhecer a história e a cozinha de um povo ao mesmo tempo em que descrevem, a relevância de sua experiência pela oportunidade de ser parte integrante da equipe do Projeto. Os participantes da pesquisa B, C e F, não evidenciam o viés histórico-cultural do Projeto Panorama Gastronômico ao descreverem sua experiência como: “Satisfatória” (respondente C), e “Foi muito boa, apesar do pouco tempo conseguimos fazer uma boa pesquisa” (respondente F).

Porém, o respondente B, destaca o caráter inovador do Projeto ao descrever sua experiência de participação como sendo: “Integradora, participativa e com o toque inovador da gastronomia”. Na atualidade inovação e criatividade são entendidas como vantagens competitivas de forma singular na gastronomia. entretanto, para inovar e criar é necessário estudo, pesquisa, experimentação e conhecimento técnico acerca


dos ingredientes e das inúmeras possibilidades de mesclar sabores (FREITAS et al., 2017).

Por sua vez, os respondentes A, D e E, distinguem claramente o viés histórico- cultural do Projeto através da sua experiência e destacam como sendo: “Enriquecedora! Projeto fantástico que me trouxe conhecimento acerca da história e da tradição de um povo”. (respondente A).

“Foi uma experiência diversa, permitindo a pesquisa e desenvolvimento de produtos, com a possibilidade de testes organolépticos de aceitabilidade, além de promover a cozinha local”. (respondente D).

“Experiência incrível! Oportunidade de muito aprendizado, abrindo inúmeras portas para o conhecimento tanto científico e bibliográfico quanto cultural”. (respondente E). A gastronomia é parte integrante da representatividade cultural de uma sociedade, porque ao conhecer a história dos alimentos é possível resgatar a identidade de seu povo. A cozinha tradicional é resgatada no encontro do passado e do presente, ao trazer à tona lembranças de cheiros e sabores guardados na memória

(MOSER; PERINI, 2016).

Para o preparo de um prato é necessário escolher ingredientes e saber sua combinação, portanto, é preciso ter técnica e conhecimento. Por sua vez, as características organolépticas, o paladar, a estética e a questão nutricional são consideradas relevantes quando relacionadas aos hábitos alimentares (MASCARENHAS; GÂNDARA, 2015). Haja vista, o crescente interesse pelo estudo da gastronomia pelo seu viés científico e cultural, não somente pelo viés da prática de cozinhar, trazendo assim uma nova perspectiva sobre a alimentação (REINHARDT, 2000).


Ações realizadas pelo Projeto de extensão Panorama Gastronômico


A extensão universitária, é percebida como integradora, a medida em que relaciona o ensino com a pesquisa através de ações e práticas que contribuem para a construção do conhecimento. A universidade está fundamentada na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão através da operacionalização teórico prática de seus programas e projetos (BRASIL, 2006).


No que tange as atividades desenvolvidas pelo Projeto objeto deste estudo, fica evidenciado o envolvimento com a comunidade, atendendo desta forma, aos objetivos extensionistas indissociáveis de ensino e pesquisa, como relatam os respondentes A, B, C e E:

“Pesquisas de campo, reuniões de discussões para criações de pratos baseados nas pesquisas de campo, visitas as feiras da cidade e mercado municipal, conversas com famílias descendentes de italianos e alemães, visita ao CEOM, museus, casa Bertaso, horas de testes na cozinha da Unochapecó, eventos de lançamentos e visitas aos restaurantes de Chapecó e São Carlos”. (respondente A).

“Estudo e resgate dos pratos representativos dos cinco povos formadores do Oeste Catarinense, apresentação do Projeto à comunidade em 2016. Divulgação de diversos trabalhos científicos, inclusive um artigo publicado em revista”. (respondente B). “Testes dos pratos, elaborações de artigos, participações em eventos...”. (respondente C).

“Divulgação do Projeto na Feira dos Estudantes com degustação dos pratos; Inauguração do salão Nobre com degustação de alguns pratos; Participação no SIEPE com apresentação à banca e divulgação do projeto;”. (respondente E).

Desta forma, a formação acadêmica e a produção de novos saberes, perpassa por práticas extensionistas capazes de evidenciar seu viés transformador junto à comunidade. A medida em que suas ações são conhecidas pelos indivíduos, a extensão demonstra sua importância efetiva na interação social e cultural (BRASIL, 2000/2001). Esta interação, fica evidenciada nas respostas dos participantes D e F, ao falarem sobre a interrelação do Projeto com o estudo das etnias formadoras da identidade alimentar e cultural da região oeste de Santa Catarina, quando afirmam: “Escopo inicial do Projeto, com ações pertinentes aos testes dos pratos étnicos, adaptações contemporâneas dos preparos”. (respondente D).

“Realizamos uma pesquisa sobre os indígenas da região e recriamos alguns de seus pratos”. (respondente F).

Todo alimento traz em si uma história e ao conhecê-la, os indivíduos se alimentam não somente pela necessidade fisiológica, mas pelo seu traço cultural. Ao conhecer a história alimentar do seu povo, fica evidenciado as diferenças de preparo


e de conservação em relação a modernidade, porém isso não implica em perder laços afetivos com o passado. (TING; TAN; JOHN, 2017).

O ato de comer e a prática de cozinhar relaciona o indivíduo a um grupo social, traz o sentimento de pertencer e de identificar-se com seus pares. A comensalidade evidencia o ato de comer compartilhado como um ato social, fazendo das refeições um ritual de comunhão entre os pares (BENEMANN; MENASCHE, 2017). A gastronomia é percebida como patrimônio ao envolver hábitos e práticas alimentares de povos e seus lugares. Desta forma, é pela preparação de ingredientes que os povos se distinguem, demonstrando assim, sua identidade e cultura (PUERTO; VIEIRA, 2019).

Contudo, em relação a pergunta 4 é importante ressaltar a relevância do compromisso da universidade com os Projetos de Extensão, porque através deles é possível a interação com a comunidade e fortalecer seu viés comunitário e regional. As ações extensionistas, envolvem docentes e discentes para dialogar com os mais diversos setores da sociedade e identificar quais ações efetivas são necessárias na construção do conhecimento e da responsabilidade social, na busca por uma sociedade mais igualitária (UNOCHAPECÓ, 2019).


O Prato Revirado como inovação e representação cultural de um povo


A partir dos elementos identificados e utilizados pelas etnias colonizadoras da região oeste de Santa Catarina, foi criado pelo grupo de integrantes do Projeto Panorama Gastronômico, um prato que pudesse representar toda a cultura e identidade alimentar destes povos. Cada elemento do “Revirado”, conta uma parte da história dos imigrantes e de seus descendentes, ao mesmo tempo em que buscou resgatar memórias e lembranças dos colonizadores (TONEZER et al, 2018).

No que tange a representatividade do Revirado em relação a história, cultura e identidade do povo da região oeste catarinense, os respondentes docentes e discentes na sua totalidade, afirmaram verificar esta representação a partir dos ingredientes utilizados na preparação do prato e justificam:


“[...] de acordo com a história da colonização os ingredientes pensados para elaboração do revirado representam a história da colonização e resgata a tradição de um povo que ao longo dos anos vem se perdendo”. (respondente A).

Sim, pois traz num único prato a junção de vários elementos (insumos étnicos)”.

(respondente B).

“[...] diante das culturas presentes no oeste de SC, o prato abrange, de certa forma, cada uma delas!”. (respondente C).

“Sim, pois mescla os insumos das diferentes etnias, tornando o preparo atemporal, contemporâneo e clássico ao mesmo tempo em que resgata a identidade gastronômica da cultura oestina”. (respondente D).

“[...] representam os caboclos, [...] as famílias italianas, alemãs e polonesas”.

(respondente E).

“[...] é composto por ingredientes que eram muito utilizados por nossos antepassados”. (respondente F).

As preparações elaboradas pela cozinha típica, são reconhecidas por identificar um local, a partir de seu processo cultural e histórico. A cozinha de tradição traz saberes e práticas advindas de forma hereditária, a medida em que são capazes de expressar as origens de um povo e de sua região. O conhecimento da cozinha tradicional se perpetua ao mesmo tempo em que marca uma cultura e simboliza hábitos e costumes de seus colonizadores. Uma preparação típica envolve elementos e receitas envoltas de significados, tendo como base experiências e memórias vividas (MULLER; AMARAL; REMOR, 2010).

Na figura 1, destaca-se o Revirado, um prato composto por caldo de feijão, polenta mole com queijo, ragu de carne suína e couve crocante.

Os elementos que compõem o Revirado são carregados de significado ao mesmo tempo em que contemplam, o legado das etnias colonizadoras da região oeste de Santa Catarina. O caldo de feijão preto muito utilizado pelos caboclos, já o milho, a carne suína e a couve, um vegetal de cultivo fácil, eram alimentos presentes e faziam parte do dia a dia dos colonizadores europeus. A polenta, um hábito alimentar italiano, acabou sendo incorporado pelas demais etnias. O milho, o feijão e a carne suína eram insumos produzidos por todos os habitantes da região, com a diferença de que os


caboclos produziam somente para seu sustento, enquanto os colonos plantavam para sua subsistência e comercialização. (TONEZER et al, 2018).


Figura 1 – O prato Revirado


image

Fonte: Projeto Panorama Gastronômico


O estudo da cozinha regional é objeto de interesse acadêmico e do cidadão comum na atualidade, motivado por razões diversas, como livros, programas de culinária e viagens. O fenômeno da globalização, permite que pessoas e informações circulem de forma rápida ao mesmo tempo em que possibilita acessar ingredientes dos mais diversos lugares. Neste contexto, a comida regional é percebida como de tradição e de inovação, porque traz elementos históricos adaptados à contemporaneidade, quer seja nos insumos utilizados ou pelas formas de preparo (GIMENES; MORAIS, 2012). Fica evidenciado desta forma, à exceção do respondente C, que o Revirado se mostra como uma possibilidade inovadora em sua apresentação, além de resgatar elementos típicos e culturais, conforme relatado pelos respondentes A, E e F:

“[...] o revirado faz esse resgate e mostra além do hábito alimentar de seu povo a história da colonização da região”. (respondente A).

“[...] pois para você conhecer a cultura de algum lugar é necessário saber do que as pessoas se alimentam, quais as suas origens alimentares. E é isso que está retratado no Prato Revirado”. (respondente E).


“[...] mostra uma forma diferente de usar insumos que estão inseridos na nossa cultura a muito tempo”. (respondente F).

Quando culturas diversas se encontram, saberes e hábitos se fundem, o que permite criar diversas possibilidades e alternativas aos pratos tradicionais. Frente ao exposto, aparece a cozinha de fusão, que traduz processos inovadores, ao refletir esta mistura histórico-cultural de um local ou região, quer seja em adaptações de suas receitas, de seus ingredientes ou nas técnicas utilizadas nos preparos (KATO, et al 2016). Esta afirmação é evidenciada pelos pesquisados B e D, quando relacionam o Revirado com a inovação:

“[...] devido a combinação inusitada de ingredientes, e a apresentação do prato”.

(respondente B).

O prato é inovador na questão da flexibilidade de utilização dos insumos, pois adota texturas, mesclas de sabores e aromas, além de.trabalhar com insumos de fácil acesso, permitindo infindáveis variações, tornando assim o mesmo, um elemento inovador”. (respondente D).

Na atualidade, a gastronomia permite que os alimentos possam ser reapresentados e reconstruídos através de quem cozinha. Contudo, a comida reconhece a memória e a emoção, ao mesmo tempo em que propicia o diálogo entre tradição e inovação (BENEMANN; MENASCHE, 2017). Pela culinária, é possível preservar o passado e inovar a pluralidade com que um mesmo alimento é preparado, permitindo que existam variações na subjetividade e de como a comida é representada (GARCIA; CASTRO, 2011).


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Ao longo do tempo, o mundo da cozinha e da comida vêm passando por processos evolutivos, desde a produção em grande escala dos alimentos, até a sua investigação científica. Conhecer a culinária pelo viés da ciência, não é novidade, haja vista os processos de modificação e preservação dos alimentos, utilizados nos processos de industrialização da comida. Contudo, existe na atualidade um movimento favorável a buscar sabor e resgatar a memória gastronômica dos nossos


antepassados. A comida simples, capaz de contar história e de revelar a identidade de um povo.

Considerando que o patrimônio alimentar de um povo é elemento fundamental para preservar sua identidade, as preparações culinárias contribuem na salvaguarda de sua diversidade histórico-cultural. As receitas culinárias tradicionais revelam-se como patrimônio imaterial de cultura quando repassadas aos seus pares e para as futuras gerações.

Conhecer a própria história alimentar é um modo de preservar a memória e resgatar o passado. O ato de comer e a prática de cozinhar, evidenciam a qual cultura pertencemos, pois, revisitar o passado é reconhecer e interpretar o presente. O povo do oeste de Santa Catarina, têm em suas preparações culinárias, a marca de sua tradição cultural, das receitas de família que vêm sendo repassadas ao longo do tempo e que estão presentes em sua mesa na atualidade.

Através do projeto de extensão universitária Panorama Gastronômico de Chapecó e Região, a instituição de ensino superior tem a oportunidade de proporcionar conhecimento acerca da história e cultura da região. Permitindo assim, que a comunidade reconheça a importância das etnias colonizadoras e sua contribuição na história alimentar. Esta compreensão auxilia no diálogo e na interação entre as diversas culturas presentes na região.

De forma geral, percebe-se que os integrantes ou os que integraram a equipe do Projeto Panorama Gastronômico, reconhecem o Revirado como elemento aglutinador das diversas culturas das etnias colonizadoras da região oeste de Santa Catarina. Por outro lado, reconhecem que o Revirado se apresenta como um prato inovador ao combinar elementos num formato contemporâneo, representando assim tradição e inovação que se entrelaçam pela história ao longo do tempo.


REFERÊNCIAS


AGUIAR, E. P. S.; MELO, S. M. C. Um estudo da influência da cozinha internacional sobre a cozinha regional de Canoa Quebrada–CE. Revista de Turismo Contemporâneo, v. 6, n. 1, 2018.


ALVES, P. A.; MATTEI, L. F. Migrações no oeste catarinense: História e elementos explicativos. Anais, p. 1-20, 2016.


ANGEL, M. Q.; MENDOZA, D. M.; ANGEL, D. Q. The cultural transmission of food habits, identity, and social cohesion: A case study in the rural zone of Cali- Colombia. Appetite, v. 139, p. 75-83, 2019.


BATAT, W.; PETER, P. C.; MOSCATO, E. M.; CASTRO, I. A.; CHAN, S.; CHUGANI,

S.; MULDROW A. The experiential pleasure of food: A savoring journey to food well- being. Journal of Business Research, v. 100, p. 392-399, 2019.


BENEMANN, N. W.; MENASCHE, R. Pitadas sobre tradição e inovação na cozinha contemporânea: por uma antropologia do cozinhar. Estudos Sociedade e Agricultura, p. 477-496, 2017.


BRASIL – Ministério da Educação. Plano Nacional de Extensão Universitária. Brasília: Fórum de PróReitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras e SESu/MEC, Edição Atualizada, 2000/2001.


BRASIL – Ministério da Educação. Indissociabilidade ensino–pesquisa–extensão e a flexibilização curricular: uma visão da extensão. Fórum de PróReitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras e SESu/MEC. Porto Alegre: UFRGS. Brasília, 2006.


CASTRO, H. C.; MACIEL, M. E.; MACIEL, R. A. Comida, cultura e identidade: conexões a partir do campo da gastronomia. Ágora, v. 18, n. 1, p. 18-27, 2016.


COLLAÇO, J. H. L. Gastronomia: a trajetória de uma construção

recente. Revista Habitus-Revista do Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia, v. 11, n. 2, p. 203-222, 2013.


COUNIHAN, C. M. Food in Anthropology. 2001.


DIAZ, S. I. A. Food in Anthropology. 2015.


DÓRIA, Carlos Alberto. Formação da culinária Brasileira. São Paulo: Três Estrelas, 2014.


DORIGON, C.; RENK, Arlene. Técnicas e métodos tradicionais de processamento de produtos coloniais: de “miudezas de colonos pobres” aos mercados de qualidade diferenciada. Rev. de Economia Agrícola, v. 58, n. 1, 2011.


FERRACCIOLI, P.; SILVEIRA, E. A. A influência cultural alimentar sobre as recordações palatáveis na culinária habitual brasileira. Rev. Enferm. UERJ, Rio de Janeiro 2010.


FLANDRIN, J. L.; MONTANARI, M. A história da alimentação. Paris: Fayard, 1996.


FOX, R. Reinventing the gastronomic identity of Croatian tourist

destinations. International Journal of Hospitality Management, v. 26, n. 3, p. 546- 559, 2007.


FREITAS, Ú. S.; LEITE, D. T. B. S.; SOUZA, B. B.; CHAGAS, S. O.; DIAS, C. M. P.

Criatividade e Inovação na Gastronomia: Subsídios para Empreender.

In: Congresso de Gestão, Negócios e Tecnologia da Informação–CONGENTI. 2017.


GARCIA, R. W. D.; CASTRO, I. R. R. A culinária como objeto de estudo e de intervenção no campo da Alimentação e Nutrição. Ciência & Saúde Coletiva, v. 16, p. 91-98, 2011.


GIMENES, M. H. S. G.; MORAIS, L. P. Os lugares da tradição e da inovação na culinária regional. Ateliê Geográfico, v. 6, n. 3, p. 148-162, 2012.


GOULART FILHO, A. A formação econômica de Santa Catarina. Ensaios FEE, v. 23, n. 2, p. 977-1007, 2002.


HEGARTY, J. A.; O’MAHONY, G. B.. Gastronomy: A phenomenon of cultural expressionism and an aesthetic for living. International Journal of Hospitality Management, v. 20, n. 1, p. 3-13, 2001.


JADWISZCZAK, Grażyna. Chapadão-um pedacinho da Polónia no Brasil. Studia Romanica Posnaniensia, v. 39, n. 4, p. 127-142, 2012.


KATO, H. C. A; OLIVEIRA, L. S.; MACIEL, E. S.; FREITAS, A. A. A cozinha de fusão

encontra o rio: peixes nativos amazônicos como alternativa para a culinária


japonesa. Embrapa Pesca e Aquicultura-Artigo em periódico indexado (ALICE), 2016.


LEONARDO, M. Antropologia da alimentação. Revista Antropos, v. 3, Ano 2, dez. 2009.


MARTIN, R. M.; LINDEMANN, I. L.; RAPHAELLI, C. O. Consumo alimentar e uso de preparações regionais por pessoas idosas: um estudo qualitativo. Revista Kairós: Gerontologia, v. 21, n. 2, p. 193-213, 2018.


MASCARENHAS, R. G. T.; GÂNDARA, J. M. G. O papel da gastronomia na qualidade e na competitividade dos destinos turísticos. CULTUR-Revista de Cultura e Turismo, v. 9, n. 1, p. 60-83, 2015.


MELO, J. M. A difusão gastronômica no espaço folkcomunicacional. Revista Internacional de Folkcomunicação, v. 9, n. 17, 2011.


MONACO, G. L.; BONETTO, E. Social representations and culture in food studies.

Food research international, 2018.


MONTANARI, M. Comida como cultura. 2ª ed. Editora Senac São Paulo, 2013.


MOREIRA, S. A. Alimentação e comensalidade: aspectos históricos e antropológicos. Ciência e Cultura, v. 62, n. 4, p. 23-26, 2010.


MOSER, G. P.; PERINI, K. P. O Tradicional e o Contemporâneo: Florianópolis, Cidade Unesco da Gastronomia-Tradition and Contemporaneity: Florianópolis, Unesco’s City of Gastronomy. ROSA DOS VENTOS-Turismo e Hospitalidade, v. 8, n. 4, 2016.


MULLER, S. G.; AMARAL, F. M.; REMOR, C. A. Alimentação e cultura: preservação da gastronomia tradicional. SEMINTUR-VI Seminário de Pesquisa em Turismo do Mercosul. Anais… Caxias do Sul: UCS, 2010.


OKTAY, Serdar; SADIKOĞLU, Saide. The gastronomic cultures' impact on the African cuisine. Journal of Ethnic Foods, v. 5, n. 2, p. 140-146, 2018.


POLI, O. L. Camponeses no Oeste catarinense. Revista Cadernos do Ceom, v. 15, n. 14, p. 11-62, 2014.


PUERTO, C. B. D.; VIEIRA, M. F. Doces Tradicionais de Pelotas/RS: a Gastronomia como Atrativo Turístico e Fator na Construção da Identidade Cultural. RELACult- Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade, v. 5, n. 4, 2019.


RADIN, J. C.; CORAZZA, G. Dicionário histórico-social do oeste catarinense. 2018.


RADIN, J. C.; SILVA, C. M. ‘Like a vast barn’: perceptions of nature during the colonization of Western Santa Catarina (1916-1950). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 13, n. 3, p. 681-697, 2018.


REINHARDT, J. C. História e alimentação: uma nova perspectiva. Revista Vernáculo, v. 1, n. 3, 2000.


RENK, A. A colonização do oeste catarinense: as representações dos brasileiros. Revista Cadernos do Ceom, v. 19, n. 23, p. 37-72, 2014.


ROCHA, R. M. Histórico da imigração polonesa na região metropolitana de Curitiba. Revista Eletrônica de Ciências Sociais, Juiz de Fora, ano 8, n. 19, p. 52-76, jan./jun. 2015.


RODRIGUES, S. G. G. A contemporaneidade da gastronomia ludovicense:(Cuxá) X Big Mac/Mac Donald na cultura, identidade e tradição. Revista Cambiassu.

Universidade Federal do Maranhão–UFMA, n. 4, p. 311, 2008.


SANTILLI, J. O reconhecimento de comidas, saberes e práticas alimentares como patrimônio cultural imaterial. DEMETRA: Alimentação, Nutrição & Saúde, v. 10, n. 3, p. 585-606, 2015.


SANTOS, C. R. A. A comida como lugar de história: as dimensões do gosto. História: questões & debates, v. 54, n. 1, 2011.


SAVARIN, J. A. B. A fisiologia do gosto. Companhia das letras, 2019.


SIMANOVIC, T.; GOSEV, M. Is food more than a means of survival? An overview of the Balkan prison systems. Appetite, p. 104405, 2019.


TIMOTHY, D. J. Heritage cuisines: Traditions, identities and tourism. Routledge, 2015.


TING, H.; TAN, S. R.; JOHN, A. N. Consumption intention toward ethnic food: determinants of Dayak food choice by Malaysians. Journal of ethnic foods, v. 4, n. 1, p. 21-27, 2017.


TONEZER, C.; AMARAL, M. N.; CERVINI, S. F. M.; MARTINAZZO, M. R. Identidade

gastronômica: patrimônio imaterial do oeste catarinense/Gastronomic identity: immaterial heritage of the catarinense west. Geografares, n. 25, p. 238-262, 2018.


UNOCHAPECÓ. Programas/Projetos. Disponível em: https://www.unochapeco.edu.br/a-extensao/info/reas-tematicas-e-linhas-de- extensao. Acesso em: 15 set. 2019.


VALENTINI, D. J.; RADIN, J. C. Camponeses no sertão catarinense. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História-ANPUH, 2011.


WERLANG, Alceu. A colonização do Oeste Catarinense. Argos Editora Universitária, 2002.